Os pensamentos que permeiam a mente humana podem assumir a forma de um verdadeiro transe literário para autores cuja sensibilidade se expande por meio da escrita. O fluxo de consciência, técnica amplamente utilizada na literatura, busca representar a estrutura do pensamento corrente dos personagens, reproduzindo a mente humana na forma em que pensamentos, sensações, emoções e lembranças emergem quase que instantaneamente.
Autores como Dostoiévski, Tolstói, Machado de Assis, James Joyce, Virginia Woolf e Franz Kafka empregaram esse recurso com o objetivo de explorar processos mentais que ultrapassam a organização tradicional dos romances. Dessa forma, a técnica procura captar os eventos internos do personagem ou narrador em tempo quase simultâneo, proporcionando ao leitor uma imersão direta no fluxo mental, marcado por frases extensas, pensamentos entrelaçados, saltos temáticos e associações livres.
No Brasil, escritoras como Clarice Lispector e Hilda Hilst também incorporam o fluxo de consciência, adotando uma abordagem sensível que explora a subjetividade profunda de seus personagens. Na obra de Hilda Hilst, essa técnica é recorrente e fundamental para expressar a complexidade psicológica e existencial que permeia seus textos.
Nascida em Jaú, interior de São Paulo, em 1930, Hilst viveu toda sua vida no estado de São Paulo e formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo. Publicou seu livro de estreia, Presságio (1950), aos 20 anos, iniciando sua trajetória poética, gênero que continuaria a explorar ao longo de sua produção literária.
A obra de Hilda Hilst apresenta um tom fragmentado, utilizando o pensamento caótico e poético como forma de expressão. Essa técnica rompe com a linearidade tradicional da escrita, refletindo o funcionamento da mente humana por meio de associações livres, imagens dispersas e uma lógica não linear. Em Fluxo-Floema (1983), observa-se a fragmentação por meio da alternância de vozes narrativas e pensamentos soltos, criando um fluxo contínuo expresso em fragmentos e repetições. Tal estrutura evidencia a instabilidade da experiência interior do ser, reforçando a complexidade subjetiva do texto.
O tratamento da subjetividade na obra de Hilst ocorre principalmente por meio de monólogos internos, que permitem um mergulho direto na psique das personagens e do eu lírico. Esses monólogos funcionam como diálogos íntimos, em que o pensamento espontâneo se revela em fluxos fragmentados e associações livres, reproduzindo o funcionamento real da mente humana.
A linguagem nos monólogos apresenta oscilações contrastantes: ora lírica, ora coloquial, sem categorização rígida. A obra de Hilst caracteriza-se por uma escrita híbrida, transitando entre prosa, poesia, ensaio e drama. Essa fusão de gêneros não se trata de mero experimentalismo formal, mas de um projeto estético consciente, visando criar uma linguagem capaz de expressar simultaneamente emoção, reflexão, narrativa e teatralidade.
Tu não te moves de ti (1980) exemplifica esse hibridismo literário. O livro pode ser interpretado simultaneamente como romance, peça teatral e poema em prosa, rompendo convenções de gênero e estrutura narrativa. Além disso, apresenta forte componente dramático, com diversas passagens compostas quase exclusivamente por falas diretas, lembrando cenas teatrais em que os personagens dialogam ou monologam em um espaço imaginado pelo leitor. A oralidade reforça o caráter performático da narrativa, transformando a linguagem em ação. Há, ainda, trechos de caráter ensaístico, nos quais a narradora reflete sobre existência, amor, morte e a relação entre corpo e espírito, aproximando a narrativa do ensaio poético.
A narrativa de Hilda Hilst, marcada por um tom implícito de surrealismo entrelaçado à psicanálise, explora o inconsciente, o sonho e o desejo. A fragmentação textual constitui um de seus pontos mais significativos, conduzindo sua escrita a um registro psicológico que dialoga diretamente com categorias freudianas como desejo, repressão, inconsciente e pulsão de morte.
A fusão de gêneros em sua obra evidencia a recusa em aceitar fronteiras literárias rígidas: prosa e poesia emergem de forma integrada, dando origem, por consequência, a desdobramentos que alcançam o ensaio e o drama como extensões naturais da voz narrativa. Essa experimentação com diferentes formas literárias configura-se como uma busca da autora de achar uma linguagem capaz de abarcar simultaneamente a entradados pensamentos, a intensidade das emoções e a experiência da transcendência.
Hilda Hilst é frequentemente considerada uma autora de difícil compreensão, sobretudo pelo mergulho profundo na mente humana e na exploração de medos, desejos e angústias. Sua narrativa delicada e complexa revela um território de constante experimentação literária, onde a linguagem é explorada em múltiplas dimensões. Em síntese, a leitura de Hilda Hilst representa uma experiência de confrontação com os limites da linguagem e da percepção humana — uma obra que permanece atual e desafiadora, capaz de provocar, inquietar e encantar.

Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.
