A literatura brasileira se desenvolveu ao longo do tempo em diversas facetas. Desde o início, revelou-se fértil na criação de narrativas que se destacam até os dias atuais e contribuem para o conhecimento da sociedade brasileira como um todo. No que se estende a falar de literatura brasileira, inevitavelmente se fala de Machado de Assis. Sua obra se distingue pela crítica perspicaz à sociedade e pela inovação no estilo literário, aspectos evidentes na análise de seus romances, contos e crônicas. Machado tornou-se peça-chave em diversas instâncias: nos estudos escolares, onde é um dos primeiros autores apresentados nas aulas de literatura brasileira; no campo intelectual, como membro da Academia Brasileira de Letras; como referência social em críticas à realidade brasileira; e na consolidação da literatura nacional enquanto espaço de reflexão, avaliação e organização cultural. Sua consagração, entretanto, não se deu apenas pela qualidade literária, mas também por sua atuação no processo de legitimação cultural, influenciando profundamente a formação do cânone literário brasileiro.
A obra de Machado desempenhou papel decisivo na estética literária nacional, conferindo-lhe maturidade e afastando-a dos preceitos românticos, em que a idealização das situações predominava. Inserido em um contexto realista, especialmente na sociedade carioca entre meados do século XIX e início do século XX, o autor envolve o leitor na análise da realidade, abordando temas que, até hoje, permanecem pertinentes. Até meados do século XIX, os modelos literários europeus, sobretudo franceses, ditavam os valores estéticos, com ênfase na “cor local” e na construção romântica da identidade nacional. Machado rompeu com esse padrão entre 1880 e 1908, período em que escreveu romances e dezenas de contos de grande relevância, superando a ficção brasileira anterior, incluindo sua própria produção inicial. Nessa fase, afastou-se da combinação romântica, narrativa romanesca e patriotismo, oferecendo ao público leitor da jovem nação uma literatura mais sofisticada e reflexiva (Schwarz, Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas).
Com Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Machado introduz uma nova forma de romance marcada pela ironia, pelo narrador não confiável e pela análise psicológica de seus personagens. De modo ainda tímido, aborda questões como patriarcalismo, escravidão e ideias liberais que permeavam a sociedade próxima à abolição. Em O Alienista e outros textos, o autor demonstra destreza narrativa ao explorar o comportamento humano, combinando humor e crítica social. Através do narrador irônico Brás Cubas, revela-se uma personalidade egoísta e narcisista, confrontando o leitor com a condição humana sem idealizações, marcando um rompimento com a tradição romântica brasileira.
Ao invés de idealizar o Brasil e os brasileiros, Machado apresenta a condição humana em sua complexidade, como o poder, ambição, vaidade e morte, inserida no contexto social carioca do século XIX, conferindo singularidade à literatura nacional. Essa síntese entre particular e universal permitiu que a literatura brasileira deixasse de ser vista como meramente derivativa, afirmando-se como expressão artística autônoma, capaz de dialogar com tradições literárias estrangeiras em pé de igualdade. Além disso, a atuação de Machado como crítico e figura institucional, especialmente à frente da Academia Brasileira de Letras, reforçou a legitimação cultural da literatura no país.
O contexto social em que Machado se insere fornece base fundamental principalmente da elite carioca e do Rio de Janeiro, capital do Império. A intensa vida intelectual da cidade girava em torno de instituições culturais, saraus, associações literárias e, sobretudo, da imprensa. Nesse ambiente, a princípio, Machado atuou como cronista, crítico e funcionário público, observando de perto os costumes da burguesia urbana emergente e da aristocracia em declínio.
A produção intelectual de Machado é vasta, fundamentando romances que moldaram a literatura nacional. Sua transição do romantismo para o realismo consolidou a originalidade narrativa e a reflexão filosófica. Nos contos, reunidos em coletâneas como Papéis Avulsos(1882) e Várias Histórias (1896), explora de forma sintética e irônica as contradições humanas. As crônicas, publicadas em jornais e revistas, captam o espírito da Corte com humor e sutileza crítica, enquanto sua crítica literária evidencia consciência estética e contribui para a formação do cânone nacional. Esse conjunto demonstra a versatilidade de Machado e explica sua centralidade na tradição literária brasileira.
A inovação narrativa de Machado é um dos aspectos que mais o distingue na tradição realista. Diferentemente da objetividade buscada por outros romancistas do século XIX, ele emprega ironia, narradores não confiáveis e interpelações ao leitor, rompendo a linearidade narrativa e criando uma relação de cumplicidade. Em Brás Cubas e Dom Casmurro, observa-se a análise da personalidade humana diante de ciúmes, dúvida e vaidade, contrastando com a rigidez das escolas literárias anteriores.
As personagens femininas, como Capitu (Dom Casmurro), Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas) e Sofia (Quincas Borba), são complexas, desafiando estereótipos e revelando tensões da sociedade patriarcal do século XIX. Se antes eram vistas apenas como adúlteras ou manipuladoras, leituras contemporâneas reconhecem nelas formas de resistência frente às restrições sociais que limitavam a autonomia feminina, abrindo espaço para debates atuais sobre gênero, poder e interpretação literária.
A construção do cânone literário brasileiro reflete seleções e exclusões. A consagração de Machado no século XIX decorre da recepção crítica e institucional que o estabeleceu como parâmetro de qualidade, enquanto muitos autores, especialmente mulheres, negros e marginalizados, permaneceram à margem do reconhecimento. O estudo do cânone, portanto, envolve não apenas a análise dos autores celebrados, mas também a reflexão sobre as ausências e silêncios que ele incorpora, evidenciando tensões entre mérito estético e forças sociais de exclusão.
Em síntese, Machado de Assis se estabelece como peça-chave na formação do cânone literário brasileiro, tanto pela excelência e inovação de sua obra quanto por sua atuação crítica e institucional. Sua narrativa irônica, personagens complexos e diálogo com tradições universais permitiram que a literatura brasileira se afirmasse como expressão autônoma e madura. A análise contemporânea de sua obra, por meio de estudos feministas, raciais e pós-coloniais, evidencia sua atualidade, transformando-o em espaço fértil para novas interpretações sobre gênero, poder e identidade cultural. Sua centralidade no cânone não é apenas histórica, mas continua a orientar reflexões sobre a literatura brasileira no presente.

Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.
