O gótico literário: caminhos e expansões de um estilo

O termo “gótico” tem origem na associação com os godos, antigas tribos germânicas consideradas bárbaras e frequentemente relacionadas ao período medieval. No campo da história da arte, “gótico” foi inicialmente utilizado para designar um estilo arquitetônico do século XII, considerado primitivo pelos artistas do Renascimento. A arte gótica, oriunda do período medieval, caracterizava-se por uma arquitetura imponente, com o propósito de provocar impacto visual e espiritual, reforçando a experiência da fé por meio da estética.

A expressão “gótico” foi utilizada pela primeira vez pelo pintor e historiador italiano Giorgio Vasari, no século XVI, em sua obra “A Vida dos Pintores” (1550). Em seu texto, Vasari buscava apenas descrever a arte gótica, ainda bastante presente na arquitetura de sua época, classificada por ele como inferior em comparação à arte clássica. No entanto, a partir desse uso inicial, o termo “gótico” passou a ser empregado para designar qualquer manifestação artística que se afastasse dos padrões estéticos da cultura clássica, adquirindo conotações de irracionalidade, estranheza ou mesmo anormalidade (ALEGRETTE, 2010, p. 14).

Os elementos característicos do gótico evocam o caos, o sobrenatural e a melancolia, introduzindo uma irracionalidade no mundo real do leitor. De maneira precisa, o gênero pode ser definido como narrativas de terror que provocam medo ao se desenvolverem em cenários sombrios e inóspitos. Em sua essência, os componentes sobrenaturais atuam como extensões simbólicas da realidade, capazes de interferir nela e ampliar a percepção do que pode existir além do visível.

A ideia do sublime, desenvolvida por Immanuel Kant, é essencial para a estética do estilo gótico, pois se refere à experiência do grandioso e do incompreensível que ultrapassa os limites da razão e da sensibilidade. Na literatura e nas artes, o sublime provoca assombro e admiração por meio de cenários imponentes, forças desmedidas e emoções intensas. Para Kant, trata-se de uma experiência subjetiva: não está nas coisas em si, mas na maneira como são percebidas, gerando uma sensação paradoxal que mistura prazer e temor diante do que não se pode compreender plenamente — uma característica marcante das narrativas góticas.

Toda leitura literária está inevitavelmente imersa em seu contexto histórico, político, social e cultural, que dá vida aos textos ficcionais, como se observa nas obras do século XIX, marcadas por temas como mortalidade elevada, corrupção social, violência e dilemas morais. As Revoluções Industriais, iniciadas na Inglaterra, agravaram as desigualdades sociais: migrações em massa resultaram em desemprego, miséria, marginalização e surtos de doenças como tuberculose e tifo. Enquanto isso, a aristocracia vivia sob a rigidez moral da Era Vitoriana, impondo normas de conduta que moldaram fortemente a identidade cultural inglesa. Esses elementos sociais eram frequentemente abordados de maneira crítica, refinada e, por vezes, irônica, como forma de questionamento dos padrões sociais estabelecidos.

Assim, na história da literatura, o gótico adentra como uma vertente do Romantismo; no entanto, é necessário distinguir ambos os gêneros e suas propostas no campo da literatura. No século XIX, o Gótico literário, fundamentado no Romantismo vigente, apresenta transformações duradouras que marcam seu desenvolvimento. Destacam-se paisagens melancólicas, com atmosferas noturnas e nebulosas, além de vilões cuja construção narrativa se transforma: seus passados passam a ser explorados com maior profundidade, e muitas vezes essas figuras se confundem com as próprias vítimas do enredo.

O início da escrita gótica é atribuído ao romance O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole. A partir de sua publicação, a literatura gótica passou a se desdobrar em duas vertentes principais: a fusão entre o real e o imaginário.

O universo gótico é apresentado como um domínio de sombras, onde os medos e as aflições da alma humana encontram expressão, despertando, ao mesmo tempo, fascínio e repulsa. Cenários intensos e ambientes grotescos compõem esse imaginário, frequentemente marcados por uma intensificação das emoções — recurso que, foi explorado de forma ímpar por diversos autores. A partir de então, uma nova perspectiva foi aberta no campo literário, e os romancistas passaram a explorar, com maior intensidade, a alma humana por meio do sublime e daquilo que transcende o real.

O irlandês Bram Stoker, os norte-americanos H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, o britânico Lord Byron, entre outros, são nomes amplamente reverenciados na literatura gótica. Seus romances são frequentemente ambientados em espaços marcados pelo mistério e pela loucura. Por meio de suas obras, esses autores retratam conflitos e processos intrínsecos ao desenvolvimento do capitalismo, sob a influência da burguesia da Europa Ocidental e dos Estados Unidos.

A ficção gótica alcançou importantes conquistas, especialmente na Inglaterra, onde os autores encontraram forte inspiração para a criação de suas obras, seja nos cenários bucólicos dos condados, seja nas cidades marcadas por transformações sociais, de acordo com as circunstâncias do período. Entre o final do século XVIII e o início do XIX, o gótico manteve-se em posição de destaque na produção ficcional.

Um exemplo notável é Ann Radcliffe, com a publicação do célebre Os Mistérios de Udolfo (1794), obra que equilibra habilmente os elementos de terror e horror. O enredo envolve crimes motivados por questões hereditárias e uma donzela órfã em perigo, culminando em um desfecho no qual os eventos aterrorizantes são explicados de forma racional. Ainda que inserida no âmbito do gótico, essa obra também é considerada precursora do gênero policial, um subgênero que seria posteriormente desenvolvido por autores como Edgar Allan Poe e consagrado por Agatha Christie.

Ainda no século XIX, destaca-se Frankenstein ou o Prometeu Moderno (1818), de Mary Shelley, amplamente reconhecido até os dias atuais como o ápice da sofisticação do gótico. A obra inaugura, de forma pioneira, um novo subgênero: a ficção científica. Considerada por muitos a narrativa mais horripilante do século XIX, a história acompanha um médico que coleta partes de cadáveres em necrotérios para montar uma criatura, a qual ganha vida por meio de descargas elétricas durante uma noite tempestuosa. Horrorizado com sua criação, o médico a abandona, e a criatura, por sua vez, volta-se contra o criador, perseguindo-o e assassinando-o.

Essa obra revelou-se de notável originalidade para a época, ao se afastar dos elementos sobrenaturais tradicionais do gótico e instaurar a ideia de um terror baseado no avanço científico e nas possibilidades da razão humana. Segundo Todorov (1992), o gênero fantástico se caracteriza justamente pela hesitação entre explicações naturais e sobrenaturais para um fenômeno estranho. Essa ambiguidade, segundo o autor, gera o chamado “efeito fantástico”, que permite a construção de narrativas em que o irreal adquire contornos plausíveis dentro da lógica narrativa.

Uma série de contos e romances foi produzida ao longo do século XIX tendo o gótico como temática central. As primeiras aparições da figura vampiresca na literatura ocorreram em 1819, com a publicação do conto The Vampyre, de John Polidori. Curiosamente, tanto Frankenstein, de Mary Shelley, quanto The Vampyre, de Polidori, começaram a ser escritos nas mesmas circunstâncias: durante o verão de 1816, quando Polidori, Mary Shelley, seu marido, o poeta Percy Bysshe Shelley, e Lord Byron — expoente do romantismo britânico — passaram uma temporada juntos na Suíça, na casa de Byron, às margens do lago de Genebra.

Durante esse encontro, marcado por leituras de histórias de terror alemãs, Lord Byron propôs um desafio: que cada um escrevesse sua própria história de fantasmas. Dessa proposta surgiram duas obras fundamentais para a consolidação de subgêneros do gótico: Frankenstein, que inaugurou a ficção científica gótica, e The Vampyre, responsável por lançar as bases do tema vampiresco na literatura moderna.

Indo para além dos britânicos, considerado por muitos o pai do terror moderno e um dos mais importantes autores de contos de suspense e do gênero policial, Edgar Allan Poe nasceu em 1809, nos Estados Unidos. Sua produção literária abrange poemas e narrativas curtas que exploram temas como a morte, o mistério, o sobrenatural e a decadência psíquica. Muito antes das formulações da psicanálise por Sigmund Freud, Poe já demonstrava uma notável inclinação para a investigação da mente humana e de seus abismos, construindo personagens atormentados e introspectivos que evidenciam conflitos internos profundos.

Grande parte de sua inspiração literária provém de suas experiências pessoais, marcadas por perdas familiares, dificuldades financeiras e o constante convívio com a tuberculose — doença que vitimou sua mãe, sua esposa e outras pessoas próximas, e que foi um dos grandes flagelos do século XIX. Essas vivências moldaram a atmosfera melancólica e obsessiva presente em muitos de seus textos.

Entre suas obras mais representativas estão O Coração Delator, que apresenta um narrador insano obcecado pelo olhar de um velho; A Queda da Casa de Usher, em que a decadência física de uma mansão gótica reflete a ruína psíquica de seus habitantes; O Gato Preto, que aborda culpa, alcoolismo e violência doméstica; e O Poço e o Pêndulo, em que o terror físico e psicológico atinge um clímax angustiante. Poe também é considerado o precursor do gênero policial com o conto Os Assassinatos da Rua Morgue, que introduz o detetive C. Auguste Dupin, figura que influenciaria diretamente autores como Arthur Conan Doyle, autor de Sherlock Holmes e Agatha Christie. Com estilo preciso, linguagem densa e atmosferas inquietantes, Edgar Allan Poe consolidou-se como um dos principais nomes da literatura gótica e de terror, influenciando gerações de escritores e leitores até os dias atuais.

Por volta de meados do século XIX, a literatura gótica encontrou novos autores que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do gênero. Obras como O Morro dos Ventos Uivantes (1847), de Emily Brontë, e Jane Eyre (1847), de Charlotte Brontë, incorporam elementos góticos em suas narrativas, como ambientes sombrios, personagens atormentados e conflitos emocionais intensos.

Já no final do século, O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde, demonstra forte influência dos preceitos góticos, abordando temas como a decadência moral, o duplo e o pacto fáustico. Em 1897, Bram Stoker publica Drácula, obra que alcança grande sucesso ao reunir de forma magistral os elementos clássicos do gótico — como castelos sombrios, criaturas sobrenaturais, erotismo velado e ambientações decadentes — e a eles acrescentar os temores específicos da sociedade vitoriana, como a repressão sexual, a degeneração e o avanço da ciência.

Com Drácula, é retomado o tema do vampirismo, anteriormente explorado por John Polidori em The Vampyre(1819), e elevado a um novo patamar de complexidade e reconhecimento. A obra de Stoker foi traduzida para diversos idiomas, além de ser adaptada inúmeras vezes para o teatro e o cinema. Juntamente com Frankenstein, de Mary Shelley, Drácula é frequentemente considerado um dos marcos máximos da literatura gótica, tanto em termos estéticos quanto artísticos.

Por fim, certamente, o estilo gótico se perpetua e ainda é uma influência marcante para a literatura e para as artes em geral. Filmes, séries e produções da cultura pop contemporânea frequentemente recorrem à estética e aos temas do gótico — como o medo, o obscuro, o fantástico e a decadência psíquica — que outrora eram novidade e hoje se tornaram elementos centrais da ficção moderna. A partir desse estilo, tornou-se possível explorar com profundidade a mente humana, indo além dos limites da realidade e da sanidade, como já se percebia nas obras pioneiras de Edgar Allan Poe, Mary Shelley e Bram Stoker.

Autores contemporâneos como Stephen King, Anne Rice entre outros continuam essa tradição, reinterpretando o gótico e o terror em cenários e dilemas atuais, mas mantendo viva sua essência: a investigação dos medos mais íntimos e das sombras que habitam o ser humano. Como visto nas produções de autores do século XIX — desde Os Mistérios de Udolfo, de Ann Radcliffe, passando por Frankenstein, de Shelley, e Drácula, de Stoker, até O Retrato de Dorian Gray, de Wilde — o gótico construiu uma linguagem simbólica rica que evoluiu, mas não perdeu sua força.

Hoje, a fusão do real com o imaginário, iniciada com O Castelo de Otranto (1764), encontra novos contornos em histórias que desafiam a lógica e exploram o inconsciente. A literatura gótica, portanto, não apenas resistiu ao tempo: ela se adaptou, inspirou novos gêneros — como a ficção científica e o romance policial — e continua sendo uma poderosa ferramenta para refletir os medos, desejos e contradições de cada época.

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