No fim do século XVIII, o movimento literário conhecido como Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto)rompeu com os ideais iluministas ao valorizar a emoção, a natureza, o gênio individual e a liberdade criativa. Em oposição à razão e às regras clássicas, os autores desse período defendiam a expressão intensa dos sentimentos como via autêntica de contato com o mundo e consigo mesmo. Nesse contexto, Johann Wolfgang von Goethe se tornou uma figura central ao condensar em uma de suas primeiras obras, a essência dessa estética: a exaltação da paixão como princípio de vida — e também de destruição. Essa obra foi “Die Leiden Des jungen Werther” – “Os Sofrimentos do jovem Werther” (1774).
Os Sofrimentos do Jovem Werther representa, de maneira exemplar, a estética do Sturm und Drang e a concepção de arte como manifestação direta das emoções humanas. Narrado em formato epistolar, o romance mergulha o leitor no íntimo de Werther, um jovem profundamente sensível, apaixonado e em constante conflito com os valores sociais que o cercam. Seu amor idealizado por Lotte, sua frustração diante da impossibilidade dessa união e seu isolamento crescente refletem o espírito rebelde e melancólico que o movimento tanto exaltava. A intensidade com que Werther vive seus sentimentos transforma sua trajetória numa espécie de manifesto emocional, onde o sofrimento não apenas define a existência, mas também legitima a criação artística.
O romance é frequentemente associado a características autobiográficas. De acordo com diversos estudiosos, Os Sofrimentos do Jovem Werther teria como base uma experiência amorosa frustrada vivida por Goethe com Charlotte Buff, jovem por quem se apaixonou, mas que era comprometida com outro homem. A impossibilidade dessa relação teria causado intenso sofrimento ao autor, servindo de inspiração direta para a construção da narrativa e da figura do protagonista.
A escolha da forma epistolar que se discorre com o passar do tempo, é fundamental para a experiência estética do romance. As cartas permitem a exposição direta e espontânea das emoções de Werther, criando um ritmo narrativo que acompanha sua oscilação emocional. Cada carta funciona como um fragmento de sua alma, em que o fluxo do pensamento e do sentimento se sobrepõem à lógica ou à razão. Esse formato contribui para que o leitor compartilhe da angústia crescente do protagonista, aproximando-se de seu mundo interior com intensidade quase confessional. A carta, nesse contexto, é mais que estilo: é um grito íntimo, uma tentativa desesperada de dar forma à dor. De acordo com Walter Benjamin, Goethe revela a figura de um autor genial. Na carta de 22 de maio, o protagonista afirma: “Volto-me para mim mesmo, e encontro um mundo dentro de mim!” (GOETHE, 1998, p. 15).
O amor de Werther por Lotte é marcado por uma idealização que transcende a realidade. Lotte é vista como perfeita, pura, angelical — não uma mulher real, mas um ideal inatingível. Esse tipo de amor, ao invés de libertar, aprisiona Werther em sua própria fantasia. À medida que a relação se intensifica, o sentimento torna-se obsessivo, e a distância entre desejo e realidade só aumenta. A impossibilidade do amor se torna o combustível da dor: Werther ama o que não pode ter, e se recusa a aceitar qualquer limite à sua paixão. Sua entrega é total, absoluta, e por isso mesmo, trágica.
O conflito entre o impulso amoroso de Werther e os limites sociais impostos pela posição de Lotte — comprometida com Albert — é central para a estrutura trágica do romance. A impossibilidade de realização desse amor dentro dos códigos morais e sociais do período evidencia a tensão entre o indivíduo e a sociedade. Albert representa a racionalidade, o dever, a estabilidade burguesa — tudo aquilo que Werther rejeita. Lotte, dividida entre a atração pelo espírito livre de Werther e sua lealdade ao que é correto, encarna essa ambiguidade. A realidade, enfim, impõe-se como um muro contra o qual Werther se choca continuamente, até não resistir mais.
Para Werther, a dor torna-se não apenas consequência de sua paixão frustrada, mas parte fundamental da experiência de existir. Sofrer é, paradoxalmente, uma forma de tocar o absoluto. A dor é bela porque verdadeira, porque reveladora de uma alma que não aceita viver pela metade. Essa concepção está profundamente ligada ao ideal do Sturm und Drang, que faz do sofrimento um espaço privilegiado da criação e da autenticidade. Werther não foge da dor — ele a transforma em palavras, em cartas, em arte. É essa dor que o consome, mas também o eterniza como símbolo de uma sensibilidade radical.
O suicídio de Werther é, ao mesmo tempo, o ápice de sua dor e a conclusão lógica de sua recusa a qualquer forma de acomodação. Ao não poder viver seu amor, Werther escolhe não viver — mas essa escolha não é apenas um gesto de desespero, e sim de coerência com seu ideal de vida total, intensa, sem concessões. A morte aparece como último ato de liberdade, uma forma trágica e sublime de afirmar a própria verdade. Goethe transforma esse gesto radical em um símbolo poderoso: não apenas do fracasso do indivíduo diante do mundo, mas da dignidade de quem ousou sentir demais.
Embora escrito na juventude, Os sofrimentos do jovem Werther já antecipa temas que Goethe irá desenvolver com maior profundidade em Fausto. O conflito entre impulso e limite, o desejo insaciável por algo que transcenda a experiência comum, a tensão entre o gênio criador e a realidade opressiva — tudo isso está presente em ambas as obras, ainda que em graus diferentes de elaboração. Werther vive essas contradições em forma emocional e imediata; Fausto, em posição filosófica e dialética. Em ambos, porém, persiste a pergunta fundamental: até onde pode ir o ser humano em busca da verdade de si mesmo?
Werther é a figura mais intensa do movimento alemão Sturm und Drang: apaixonado, impulsivo e trágico. Ele encarna, com brilho e sofrimento, tanto a beleza quanto os perigos de viver guiado unicamente pela emoção. Com essa obra, Goethe cristaliza uma sensibilidade nova, que marcou profundamente a literatura europeia e antecipou muitas das inquietações do romantismo. Mas ao mesmo tempo em que exprime os excessos do movimento, Goethe também indica seus limites — e os supera mais tarde em sua obra-prima Fausto. Werther, portanto, é ao mesmo tempo um retrato e um ponto de partida: a alma em tempestade que anuncia o nascimento de uma literatura voltada para os abismos e possibilidades da condição humana.

Oi, sou a Amanda! Tenho 24 anos, estudo Letras com habilitação em alemão pela Universidade de São Paulo e sou uma entusiasta apaixonada por literatura e arte. Me perco nos clássicos russos, alemães e ingleses, encontro beleza na música e, quando se trata de nossa literatura brasileira, Clarice Lispector é meu porto seguro. Aqui no blog, divido minhas reflexões e descobertas literárias e afins.